Não é novidade que a Lei 13.467/17, popularmente conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, trouxe a possibilidade de homologação de acordo extrajudicial, nos termos do artigo 855-B, inserido na CLT.
Com a inovação legislativa, foi possibilitada a apresentação de acordo, conforme a conveniência das partes, mediante um procedimento de jurisdição voluntária, sendo o termo de acordo submetido ao Poder Judiciário para a sua homologação, o que deveria trazer, inclusive, maior segurança jurídica.
Entretanto, há casos em que os acordos são parcialmente homologados, ou até mesmo extintos, sem resolução de mérito. Assim, respeitadas as hipóteses em que, de fato, as partes não atendem ao comando legal, de forma objetiva, merecendo o processo a sua extinção, pretende o presente texto discutir a possibilidade de interferência do Poder Judiciário na autonomia das partes, nos casos em que todos os pressupostos legais para o acordo estão presentes.
Adota-se como parâmetro para a discussão, o julgamento realizado pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do Recurso de Revista de nº. 1001651-86.2019.5.02.0201.
No caso, ao ser apresentado acordo extrajudicial realizado por uma dentista e uma clínica odontológica, para reconhecimento do vínculo empregatício, depois de ter sido a dentista contratada como pessoa jurídica, o Juiz responsável homologou apenas parte do pedido, sem dar quitação ampla ao contrato de trabalho. O magistrado avaliou que o artigo 843, do Código Civil, deveria ser interpretado de forma restrita, não sendo possível a quitação genérica de parcelas que não constavam da petição do acordo, sendo limitada a quitação aos direitos (verbas) especificados de forma individualizada na petição de acordo.
Após ser interposto recurso da decisão, a questão foi submetida ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) que, ao analisar o caso, negou provimento ao apelo. Para o TRT, diante da ausência de concessões recíprocas, não seria cabível o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, já que o acordo apresentado para o reconhecimento de vínculo empregatício, com os direitos daí decorrentes, representaria tão somente cumprimento de obrigação legal e quitação de haveres que já seriam devidos à trabalhadora.
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, ao conhecer do Recurso de Revista apresentado, deu provimento à insurgência, firmando o entendimento de que deveria prevalecer a autonomia das partes.
Adotando uma fundamentação de cunho eminentemente civilista, baseada em Pontes de Miranda e outros doutrinadores, informaram os Ministros, por maioria, que a validade do ato de homologação judicial é determinada pelo artigo 104, do Código Civil, devendo ser verificado se há agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. Em ato contínuo, foi defendida a necessidade de respeito à autonomia das partes, baseada no artigo 112, também da Lei Civil.
O Ministro Evandro Valadão, responsável pela redação do voto vencedor, ainda trouxe aos autos, o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à circunstância de que o acordo deve ser homologado de forma integral, ou rejeitado de forma total, citando o voto do Ministro Teori Zavascki no leading case do Superior Tribunal Federal, RE 590.715/SC, de Relatoria do Ministro Roberto Barroso, no qual foi destacada a natureza sinalagmática (vínculo de reciprocidade) do acordo, não podendo, na hipótese dos autos, ser anulada uma cláusula que poderia ser contrária ao interesse do empregado, mas manter as demais.
Concluiu-se assim, no Acórdão do Recurso de Revista, que o acordo entabulado entre as partes previu contraprestações recíprocas, de modo a dar quitação geral ao contrato de trabalho, sem nenhuma ressalva expressa, sendo o pacto realizado de forma livre, com espontânea vontade da parte reclamante e do empregador, assistidos por advogados distintos, sem qualquer indício de vício ou de fraude, não sendo devida a limitação imposta pelo Juiz em não dar quitação pelo extinto contrato de trabalho.
Nesse sentido, fixou-se o entendimento de que, restando presentes os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos preconizados pela lei trabalhista (CLT, art. 855-B), não há de se questionar a vontade das partes envolvidas e o mérito do que foi acordado.
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